segunda-feira, 21 de abril de 2014

Brasília 54 anos, é injustamente mal-afamada


Criada por Jucelino no deserto central, em ritmo de truque cinematográfico, Brasília faz aniversário de 54 anos neste 21 de abri de 2014. A cidade convive com a má fama desde o berço, que no seu caso foi um canteiro de obras lamacento. Ali, em meio ao movimento de máquinas pesadas, nasceu o Brasil moderno. Um país que esconde atrás do Ordem e Progresso o verdadeiro lema da nossa ilicitocracia: “Quanto eu Levo Nisso?”.

Decorridas mais de cinco décadas, a nação ainda olha para Brasília com o rabo do olho. Num esforço para não passar recibo, o país vê sua Capital sem olhar. Faz cara de nojo e sonha com o dia em que um herói surgirá do nada para enfrentar o Monstro do Lago Paranoá. O Brasil nunca encarou o Monstro do Lago de frente. Mas, como numa maldição presumida, sabe que ele está lá, escondido, mastigando propinas, protegido por carpas verbívoras e pelo Marcos Valério.

A nação anda meio decepcionada com Dilma, a supergerente que todos supunham talhada para enfrentar o Monstro do Lago. Os brasileiros ainda se lembram do processo de escolha. Vendo que chegava a hora de largar o poder, pois um terceiro mandato pegaria muito mal, Lula, a penúltima vítima do Monstro do Lago, debruçou-se sobre as biografias nacionais à procura de virilidade. E pinçou a mulher-maravilha.

Os que ainda não conheciam o talento de Lula para a estratégia política estranharam. Mas logo se revelou sua manobra genial. Como a cara feia de Dilma não foi páreo para o Monstro do Lago, Lula pode agora espalhar a insinuação de que conhece alguém capaz de livrar Brasília de sua maldição: Lula.

É verdade que a última tentativa resultou em malogro. Atravessada por um raio, que o Monstro do Lago disparou com um olhar, toda a tropa do cavaleiro sindical do ABC apodreceu. Teve de ser enviada à Papuda. Mas, mesmo que passem séculos, muitos acreditarão que aquele Lula imaculado, aquele mito que não sabia de nada, ainda vive. Ele e sua inocência podem ser buscados em São Bernardo tão logo a nação perceba que o Aécio Neves e o Eduardo Campos não estão à altura do desafio.

À espera de alguém que o trucide -ou o converta numa prova processual-, o Monstro do Lago olha para o Brasil que cerca Brasília. E se diverte com o esmeradíssimo esforço com que o país evita retribuir os seus olhares. O brasileiro sabe que o Monstro do Lago está de olho. Foge de encará-lo para não enxergar em suas retinas o reflexo de um culpado.

Assim como o Lago Paranoá, o Monstro do Lago é artificial. Um foi criado para atenuar a secura desértica de Brasília. Outro surgiu para aliviar o sentimento de culpa do resto do Brasil. A corrupção não é um produto natural de Brasília. O governo por licitação mutretada, o lobby como programa, o escurinho como habitat… nada disso veio junto com a água do lago. Essas coisas brotam nos Estados. E você se encarrega de mandar para Brasília.

Na sua manifestação mais recente, essa inesgotável vocação do brasileiro para a escolha do pior desfilava por Brasília disfarçada de André Vargas. A vida, os eleitores, a imprensa, o TCU, o Polícia Federal, a Procuradoria… tudo parecia conspirar a favor da camuglagem de André Vargas.

De repente, o deputado do PT paranaense recebe no celular a mensagem do amigo-doleiro Alberto Yossef: “Tô no limite. Preciso captar”. Responde sem titubeios: “Vou atuar”. E vem atuar na Esplanada dos Ministérios, cavando na pasta da Saúde um contrato milionário para o laboratório paulista Labogen, que serve de biombo para a lavanderia de dinheiro sujo do doleiro.

Agora responda rápido: quem tem mais culpa: você, que joga seu voto no lixo, ou Brasília, que convive há 54 anos com o produto do seu descaso?

Texto de Josias de Souza

Nenhum comentário: