sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

A força da gratidão

"Obrigada!”, “Valeu”, “Muito obrigada”... Quando recebi a pauta desta matéria, me propus a contar quantas vezes num dia eu repetia essas expressões de agradecimento. E aconteceu assim: começou bem cedinho, com a moça da padaria que me atendeu, passando à senhora do caixa que me deu algumas moedas de troco. Mais à frente, a palavrinha mágica veio acompanhada de um beijo no marido, que gentilmente me dá caronas diárias até o metrô.

Na escada rolante, um rapaz parou na esquerda e quando me viu apressada, concedeu a passagem. Agradeci de novo. E assim foi caminhando meu dia: agradecimentos por e-mail, por telefone, de novo ao meu marido que me deu carona na volta... Antes de dormir fiz a contabilidade: 13 obrigados ou afins.

Apesar da frequência, a verdade é que em nenhuma dessas vezes meu coração realmente se encheu daquele sentimento nobre, que reconhece de fato o valor do outro ou sua prontidão em atender uma necessidade nossa: a gratidão. Para falar a verdade, em alguns casos, a palavrinha foi ativada pelo piloto automático da educação ou das regras de convivência. Nada emotivo, sabe? Ou pior: no caso de uma atendente do banco que me ligou, o obrigada intencionava  encerrar a conversa, tão breve quanto fosse possível.

Comecei a me sentir terrível e tentei puxar pela memória a última vez que tinha sido arrebatada pela tal da gratidão. Pensei, pensei... Foi relembrando outubro do ano passado que o sentimento veio à tona em mim, novamente. Lembrei-me do dia em que um grande amigo foi até a minha casa e convidou a mim e meu marido para sermos padrinhos do casamento dele. Fiquei tão agradecida, tão honrada, emocionada! A coisa em si não era tão simples: a cerimônia seria em outro Estado, a quase mil quilômetros de distância de São Paulo (onde moro), portanto, teríamos que arcar com passagem aérea e hospedagem. Além disso, eu teria que ir atrás de um vestido longo e escolher um bom presente. Mas a alegria de ter sido escolhida, dentre tantas pessoas especiais que eu sabia que ele tinha à sua volta, preencheu meu coração de contentamento, de satisfação, daquele obrigada verdadeiro e dessa vez, sim, cheio de sentido! E como foi bom!

Mas agora, que já contei de mim - e corri o risco de ser vista por você, cara leitora, como uma pessoa um pouco mal-agradecida - tomo a liberdade de perguntar: e aí? Qual foi a última vez que se sentiu realmente grata a alguém ou a algo que lhe aconteceu?

A fixação pelo negativo

Se a resposta demorou a surgir na sua mente, não se martirize. O pensador francês La Rochefoucauld afirmou que nos lembramos com uma nitidez incrível de quem nos fez mal, mas quase nunca nos recordamos de quem nos fez bem. Agradecer de coração, então... Nem se fale! “O fato de recordarmos mais o que foi negativo deve-se à frustração de expectativas criadas em relação aos outros ou a algo. Lembrar é uma forma de tentar evitar que a decepção aconteça novamente. Mas esse receio forma uma espécie de véu, que nos impede muitas vezes de enxergar atos bondosos e generosos”, diz o professor Othon Vieira Neto (SP), professor das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Isso sem falar que formamos uma verdadeira legião de pidões. Seja nas aspirações pessoais, nas orações, seja até na convivência diária, não é raro pedirmos, exigirmos ou reivindicarmos alguma coisa, na maior parte do tempo.

Agradecer o que já temos ou nos foi dado... Bem, isso parece sempre poder  ficar para depois. “Ajustar esse foco e passar a agradecer mais do que pedir significa desenvolver uma atitude positiva que inclui mais aceitação, apreciação e contentamento”, garante Luciana Ferraz, coordenadora da Brahma Kumaris no Brasil.

Vale a pena sair do piloto automático

Agir dessa forma é um desafio, sem dúvida. Afinal, somos extremamente cobradas em todos os campos da vida e, por isso, também cobramos muito. Mas os resultados de exercer a gratidão compensam. De acordo com Robert Emmons, professor de psicologia da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, ela é nada menos do que um dos componentes mais importantes da felicidade. Em suas pesquisas, Emmons constatou que as pessoas que expressam ou registram razões pelas quais são gratas apresentam doses bem mais altas de bom humor, otimismo, melhoras na duração e na qualidade do sono, praticam mais exercícios físicos, têm a pressão arterial equilibrada e níveis de depressão e estresse mais baixos.

E as vantagens não acabam por aí. Numa era de relações frágeis e superficiais, é novamente ela, a nossa heroína gratidão, quem trabalha no fortalecimento dos laços. “Quando recebe uma demonstração sincera de agradecimento, a pessoa se sente útil, reconhecida, orgulhosa. Essa troca de sentimentos e sensações positivas pode ser a base para uma profunda amizade ou, no mínimo, uma convivência mais agradável”, aponta o psicólogo Alexandre Bez, de São Paulo (SP). Trocando em miúdos, gratidão gera (ainda mais) gentileza. E a teoria tem comprovação. Um dos estudos do psicólogo David DeSteno, da Universidade de Northeastern, nos Estados Unidos, orientava seus participantes a concluir uma tarefa no computador, mas durante a execução os dados eram perdidos por um suposto mau funcionamento do aparelho. Parte dos voluntários se deparava com um assistente de laboratório, a quem poderia pedir auxílio para restaurar as informações perdidas. Ao final, constatou-se que aqueles que haviam sido ajudados e estavam gratos por isso tinham maior propensão a retribuir um favor do que os integrantes de um grupo que não havia sido auxiliado. Praticamente uma corrente do bem!

Retribuir ou não: eis a questão!

Mas receber algo e mais, agradecer por isso, não é sempre tão simples quanto parece. Já reparou como algumas pessoas estão sempre disponíveis a ajudar, mas quando precisam de algo ficam extremamente desconfortáveis? Boa parte disso se explica pela necessidade de retribuição. É como se depois de receberem uma boa ação, pensassem: “E agora, o que essa pessoa espera que eu faça em troca?”. Em vez de gratidão, a benfeitoria gera preocupação e um círculo de dependência. “Essa obrigação não existe. Pessoas maduras psicologicamente recebem e não sentem a necessidade da retribuição. Por vezes, sentem que já retribuíram apenas com a sinceridade do agradecimento, sem experimentar culpa ou necessidade de compensação”, diz Alexandre.

Quem auxilia o outro sem segundas intenções e é, portanto, um alvo digno de gratidão, também desconhece essa obrigatoriedade. “Uma pessoa altruísta reconhece que este é o movimento para gerar abundância na vida. Estamos o tempo todo doando e recebendo algo, é um fluxo constante. Só as de coração pequeno medem ou pesam o quanto deram ou receberam. As generosas são como o sol: doam sem esperar receber em troca”, garante Luciana.

Exercitando esse olhar

Só por hoje, seja grato”. Esse é um dos princípios do reiki, uma terapia milenar que consiste na canalização da energia vital do universo e sua transmissão por meio da imposição das mãos do terapeuta, visando a processos de cura e restauração do bem-estar. Adeptos ou não, todos podemos aprender um pouquinho com os seguidores dessa técnica, que mostram, por exemplo, que não é necessário esperar por um acontecimento grande ou de muita importância para sentir gratidão. “Esse sentimento trata simplesmente do reconhecimento da beleza e dádiva de cada dia, de cada aprendizado por trás de cada experiência”, afirma a terapeuta reikiana Ana Liv, do Hotel Ponto de Luz, em São Paulo (SP). A ideia pode parecer batida e até clichê, mas é verdadeira: a cada novo amanhecer, somos presenteados com um sem-número de oportunidades de crescer, ser mais feliz, fazer diferente, conhecer pessoas e lugares novos, dar boas risadas, apreciar bons momentos... Todas essas coisas dignas de agradecimento! “A gratidão deve ser praticada até que se transforme em um estado de ser”, atesta Ana.

Na publicação O Segredo - Agenda - O Livro da Gratidão (Ed. Ediouro), a autora do aclamado best-seller O Segredo, Rhonda Byrne, faz uma breve introdução na qual reforça o poder da gratidão, lembrando que atraímos para nossa vida o mesmo tipo de energia que emanamos. Por isso, quem lista razões para não ser grato, como insatisfações, inveja, ou sensação de insuficiência, só recebe mais e mais razões para lamentar e não agradecer. Depois, se seguem inúmeras páginas embranco nas quais você deve relacionar as coisas pelas quais se sente grata. Uma das dicas da guru é sempre registrar no presente as coisas que deseja agradecer – não importa se já as tem ou não. como se já as possuísse mesmo! O universo, então, trabalhará para que aquilo se concretize, mas você também deve fazer sua parte! É mais ou menos como pregou o radialista Irineu Toledo (SP):“Agradeça pelo dia que você ganhou e viva-o de maneira que tenha algo especial a registrar quando ele terminar”. A caminhada, então, ganhará muito mais sentido. Pode apostar!

Revista Ana Maria

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