Sim, porque a paixão é um instinto. Um tão automático e irracional
quanto o que faz as formigas viverem numa sociedade industrial comunista sem
terem lido Marx ou um joão-de-barro construir uma casa sem ter feito faculdade
de engenharia civil.
O processo que desencadeia esse instinto começa com descargas de
dopamina - a mesma substância que a cocaína ativa no cérebro. Essas descargas,
do ponto de vista científico, existem por um único motivo: fazer você produzir
filhos. Claro que tudo isso acontece sem que você tenha a menor consciência.
Ninguém pensa em crianças no momento em que se apaixona. Muito pelo contrário.
Mas a real é que não somos diferentes de uma formiga ou de um joão-de-barro:
fazemos o que os instintos mandam. E a razão última de todos os instintos que
envolvem o amor é produzir filhos, passar os genes adiante, de preferência na
companhia dos melhores genes disponíveis no mercado.
Uma balada, por exemplo, é basicamente um pregão da bolsa de genes.
Todo mundo procura pelos melhores pacotes genéticos do lugar e negocia
possibilidades de fusão - geralmente com os mais bonitos. Beleza, em última
instância, é um indício visível de saúde. E seu cérebro move você em direção a
esses pacotes aparentemente mais saudáveis, já que a possibilidade de eles
gerarem filhos melhores é mais alta. Inteligência também conta. Se alguém te faz
rir numa conversa de 30 segundos, esse alguém não é burro. E tem uma chance
razoável de te dar filhos mais espertos do que você teria se se reproduzisse por
brotamento. Ponto para o pacote genético do sujeito.
De novo: vamos atrás das “possibilidades de fusão” com outros pacotes
genéticos pelo prazer que a fusão proporciona – seja na cama, seja indo viajar
para a Europa com alguém especial. Mas o prazer só existe como recompensa pelo
verdadeiro trabalho, que é produzir crianças. Os orgasmos são descargas de
dopamina que recompensam você pela tarefa de tentar fundir seus genes com os de
alguém. E os instintos que criam os orgasmos são cegos: não fazem a menor ideia
se o dono do cérebro está usando camisinha. Ou se ele é homossexual. Ou se ele
planejou não ter filhos por que acha criança um saco… Seus instintos não
conversam com outras partes do seu cérebro, como a que determina sua sexualidade
ou seus planos para o futuro.
Bom, a piscina de algodão doce que se abre quando você está só
passeando com alguém especial também é dopamina, só que numa dose mais leve e
contínua. Mas não existe descarga de dopamina grátis. Os efeitos colaterais de
estar apaixonado são basicamente os mesmos da cocaína: insônia, agonia,
taquicardia.
Quando Pixinguinha cantou que o coração dele “não sei por quê/bate
feliz/quando te vê”, estava involuntariamente narrando os efeitos da dopamina
sobre o batimento cardíaco.
Bon Jovi também, quando canta que o heart
dele beats like a drum em Born to be my Baby. Morrissey faz
uma descrição mais dramática. E mostra bem o quanto um mero passeio na rua sob a
euforia dopamínica pode ser eletrizante para o cérebro do apaixonado:
Crashes into us
To die by your side
It´s such a heavenly way to die
(“Se um ônibus de dois andares/Bater na gente…/Morrer ao seu lado…
Taí um jeito paradisíaco de morrer”)
Mas a paixão não é imortal, posto que é droga. E posto que é droga, causa
dependência química – as dores físicas que os apaixonados sentem quando são
rejeitados têm um paralelo nas crises de abstinência. “I need you, I need you, I
neeeeeed you!!”, confirma John Lennon em Michelle*, do Rubber
Soul.
Paul McCartney, mesmo mais pragmático que o ex-companheiro de banda, mostra
que até a expectativa de passar por essa crise de abstinência pode ser
insuportável. E fazer com que você não enxergue a realidade crua quando ela não
te favorece. Em For no One, do Revolver:
You don’t believe her when she said
Her love is dead
You think she needs you
Essa montanha-russa química é demais para qualquer organismo. Por isso mesmo
a paixão só é infinita enquanto dura. E, segundo a maior parte das pesquisas
científicas, dura só 3 anos - na alegria ou na tristeza, na saúde ou na doença.
E o que a faz a coisa evaporar é, surpresa, um relacionamento saudável.
Quem destrói os hormônios da paixão são justamente outras substâncias
que o corpo libera durante os orgasmos: a ocitocina (nas mulheres) e a
vasopresina (nos homens). Essas são drogas mais leves. Ansiolíticos. Transformam
o oceano revolto que é uma paixão num mar de tranquilidade. Se a relação
continuar bem, essas substâncias vão fortalecendo os laços entre o casal. E
serão o gatilho para outro instinto: o de virar mãe e pai – as mulheres, por
exemplo, têm esses mesmos hormônios ativados durante a amamentação. Assim elas
relacionam a paz da ocitocina, do ansiolítico, à ideia de cuidar da criança.
Paixão é cocaína. Amor é Rivotril.
E pode ser eterno, como mostram os albatrozes e alguns casais de
humanos. Ou não. Sempre existe a possibilidade de que um dos dois pule fora para
recomeçar esse jogo todo com outro pacote de genes. Afinal, paixão vicia. E nem
todo mundo usa com moderação.
Como mostra, aliás, este solteiro de 69 anos aqui do microfone - sete
filhos com quatro mulheres, mais Angelina Jolie, Carla Bruni e Uma Thurman no
currículo. E ainda insatisfeito.
*Quem canta Michelle é o Paul. Mas quem compôs a parte
gritada foi o John.
Crédito da foto dos cisnes: @blinkingidiot, Flickr, Creative Commons
Conteúdo do site SUPERINTERESSANTE
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