sábado, 2 de março de 2013

Como era o idioma mais antigo do mundo?

Veja 10 curiosidades sobre línguas.
 
Conversas ao vivo ou a distância, leitura dos sinais de trânsito e mesmo a interpretação (e produção) desta matéria: não é exagero dizer que a linguagem acompanha as pessoas o tempo inteiro sem que elas nem ao menos se deem conta. Tudo porque o processo comunicativo, seja falado, seja escrito, é inerente à condição humana. "A linguagem é uma característica do ser humano. Tudo o que se comunica envolve necessariamente linguagem", diz a fonoaudióloga Anelise Junqueira Bohnen, presidente do Instituto Brasileiro de Fluência (IBF). A invenção da escrita como pedra fundamental que separa o homem pré-histórico do Homo sapiens moderno é um exemplo que expressa a importância da linguagem.
 
No entanto, se ela é universal, as diversas culturas espalhadas pelo mundo produziram uma grande quantidade de idiomas cujas características e criação escondem informações curiosas. Conheça agora 10 curiosidades sobre a linguagem e as diversas línguas existentes no mundo.
Como era a língua mais antiga do mundo?
Como só é possível retroceder o tempo até um determinado período, até hoje os estudiosos não puderam precisar qual a língua mais antiga do mundo ou a "grande mãe" de todos os idiomas falados atualmente. "A linguagem pode ter aparecido ao mesmo tempo em vários pontos, assim como ter surgido em um único lugar e de lá se espalhado pelo mundo. Os especialistas lidam com ambas as hipóteses”, afirma Aldo Bizzocchi, doutor em Linguística pela USP. Na condição de construção social e cultural, mesmo se fosse identificada, a língua mais antiga já teria passado por diversas modificações ao longo dos séculos.
No entanto, Bizzocchi explica que hipóteses de como seria a primeira língua do mundo foram geradas a partir de estudos do cérebro humano. "Ela provavelmente contaria com um vocabulário pequeno - composto de termos concretos, palavras para indicar coisas corriqueiras, como andar, correr, pedra - e com um sistema fonético bastante simples", diz o linguista.
 
A linguagem é genética?
Enquanto dom, sim – e aqui nem estamos falando de talento para as letras, embora isso também envolva fatores inatos. "O idioma que falamos é cultural, não nascemos com um gene para a língua portuguesa. Mas, de certa maneira, a aptidão linguística é de natureza genética", afirma Aldo Bizzocchi. O linguista explica que, da mesma forma que os membros anteriores das aves passaram a servir para o voo, a evolução do cérebro humano acarretou o desenvolvimento de estruturas e circuitos neuronais próprios para a linguagem. Hoje, o cérebro vem "de fábrica" programado para comportar línguas.
 
É essa pré-disposição cerebral que orienta os idiomas em torno de uma estrutura semelhante - todos são compostos por elementos como sílabas, palavras, fonemas - e também faz da expressão "surdo-mudo" uma imprecisão semântica: ainda que não articulados, também os surdos emitem sons e intentam se comunicar por meio deles. "Nós nascemos programados para falar e aprendemos mesmo que não nos ensinem", diz Bizzocchi.
Por que é tão difícil falar sem sotaque?
O sotaque é uma particularidade linguística que não passa despercebida por ser um indicativo de diversidade cultural, seja entre países diferentes ou dentro do mesmo território. Aprendida juntamente com a língua, a pronúncia distinta ou imperfeita de determinados fonemas pode variar de acordo com a região, grupo social, etnia e mesmo de pessoa para pessoa. O sotaque se caracteriza por diferenças de ritmo, ênfase ou distinção entre sons. Justamente por ainda estarem em fase de crescimento, as crianças têm mais facilidade em falar outras línguas sem sotaque. "Todos os bebês do mundo nascem com a habilidade de aprender qualquer idioma", explica a fonoaudióloga Anelise Junqueira Bohnen, presidente do Instituto Brasileiro de Fluência (IBF). "As configurações da laringe e mesmo do cérebro ainda estão em formação e estão aptas para o aprendizado de sons diferentes, mesmo aqueles que não necessariamente pertencem à língua materna", afirma.
 
Já na idade adulta, a maturação desses mecanismos e também do ouvido já está completa em cima da língua de origem, e, embora algumas pessoas tenham mais aptidão para o aprendizado de outras línguas, para muitas há dificuldades na produção e na discriminação de sons diferentes dos de sua língua materna - especialmente na articulação de vogais e no uso correto das sílabas tônicas. "Na medida em que o bebê cresce, ele vai selecionando os sons que ouve com mais frequência. Os sons que não pertencem ao universo de sua língua nativa acabam sendo esquecidos. Na idade adulta, a flexibilidade do sistema articulatório é reduzida e o sotaque se torna evidente", explica Anelise.
Por que estrangeiros acham difícil pronunciar "ão"?
Pelo mesmo motivo que os falantes de português podem achar complicado dominar o "th" do inglês ou o "ch" do alemão: cada grupo linguístico tem pronúncias que são tipicamente suas e funcionam como uma espécie de senha sonora, chamada xibolete. Ele difere do sotaque porque designa os sons característicos de um grupo linguístico em vez de particularidades de pronúncia: tanto o "r" carregado dos franceses quanto o "r" enrolado dos americanos podem ser reconhecidos mesmo quando o indivíduo não está falando outro idioma.
 
O linguista Aldo Bizzocchi conta que a palavra xibolete tem origem em uma passagem do Velho Testamento, na qual duas tribos semitas estavam em guerra, os efraimitas e os gileaditas. Ao conquistarem os primeiros, os gileaditas passaram a guardar os acessos ao Rio Jordão para evitar que os dominados escapassem e obrigavam os passantes a falar "xibolete" – palavra que, no dialeto efraimita, virava "sibolete". "Ela passou a significar, na linguística, aquilo que identifica o falante de uma língua", afirma Bizzocchi.
 
Saudade só existe em português?
 
As saudades inspiraram Fernando Pessoa a afirmar que “somente os portugueses conseguem senti-las bem, pois têm uma palavra para dizer que as têm”. Licenças poéticas à parte, é certo que, em um momento ou outro, todos os habitantes do mundo sentem saudade de algo ou alguém: eles apenas não dispõem de uma palavra específica para isso. "Embora os sentimentos sejam universais, nem todas as línguas os expressam da mesma maneira", diz o linguista Aldo Bizzocchi. Caracterizando-se como uma forma de apreensão da realidade por meio da linguagem, o vocabulário de cada idioma demonstra um recorte cultural feito por seus falantes de acordo com visões de mundo distintas. As dificuldades de tradução surgem como um tipo de choque cultural a nível linguístico: da mesma forma que não existe a palavra “saudade” em alemão, o português não tem um sinônimo para schadenfreunde, ou a satisfação sentida pela desgraça de alguém desprezível.
 
No entanto, as "ideologias" da língua não podem ser necessariamente estendidas aos seus falantes de hoje, que são algumas centenas de anos mais jovens do que sua língua materna. "A língua é um produto dos hábitos de nossos antepassados que, na medida em que se tornaram gerais, viraram regras. Não é uma escolha pessoal, é uma imposição da língua da qual o sujeito não pode escapar", diz Bizzocchi.
Por que algumas línguas eslavas invertem o acento circunflexo?
Em idiomas como o tcheco e o croata, esse acento tem um nome próprio: é o hatchek, cuja função também é indicar a pronúncia da letra. Algumas línguas eslavas compartilham muitos sinais gráficos semelhantes aos empregados no português, com a diferença de que geralmente recaem sobre consoantes. O linguista Aldo Bizzocchi conta que a criação desses acentos evidencia os reflexos da religião sobre a língua. "Nos povos eslavos, há basicamente duas tendências: uma metade deles segue a religião ortodoxa, e a outra, a religião católica. Os ortodoxos, de influência grega, adotam o alfabeto cirílico; já os países ocidentais, como a República Tcheca, são seguidores da Igreja Romana e utilizam o alfabeto latino", explica.
Para dar conta da mesma língua falada, os eslavos ocidentais criaram um sistema que comportasse fonemas que não podiam ser representados por uma única letra como no alfabeto cirílico, que tem mais caracteres. Os acentos surgiram com a função principal de substituir reuniões como o tch ou sh por um sinal gráfico, chamado diacrítico - no exemplo, č e ś, respectivamente. No caso do tcheco, a primeira adaptação foi proposta justamente por um pensador religioso, o protestante Jan Hus, no século XIV.
Por que o francês "calcula" os números?
Enquanto nós conhecemos o livro de Júlio Verne pelo título A Volta ao Mundo em Oitenta Dias, o escritor batizou a obra originalmente como Le Tour du Monde en Quatre-Vingts Jours. Mas por que os falantes de francês precisam multiplicar quatro por vinte para formar oitenta? A explicação remonta à época em que o território da França correspondia à Gália, terra dos personagens Asterix e Obelix. "Com a conquista da Gália, os romanos impuseram a língua latina, que deu origem ao francês moderno. Mas a língua conservou características do céltico, que não tinha base decimal, mas no número 6", conta Aldo Bizzocchi. Esse sistema estendia-se ainda à contagem do tempo: para os gauleses, um século compreendia um espaço de 120 anos.
 
Dessa forma, o francês conta com dezenas próprias somente até o número 60; para dizer 90, por exemplo, usa-se quatre-vingt-dix, ou quatro vezes vinte mais dez. Esse sistema numérico existe também na língua de outros povos de origem celta, como o gaélico dos irlandeses. Por mais diferente que possa parecer, a base 6 - originada ainda na Babilônia - está presente em mais aspectos do nosso cotidiano do que parece: basta reparar que o dia tem 24 horas, duas metades de 12, cada uma formada por 60 minutos.
Quantos alfabetos tem o japonês?
A língua japonesa possui cinco sistemas de escrita: os alfabetos hiragana, katakana e kanji, mais os algarismos indo-arábicos - os números utilizados pelos ocidentais - e ainda o alfabeto latino (romaji), usado principalmente na transliteração do japonês. A maior parte das palavras é escrita em kanji, alfabeto composto por milhares de ideogramas que têm um significado próprio e não necessariamente correspondem a um som. Já o hiragana representa palavras nativas do Japão e terminações verbais, e o katakana é empregado na escrita de palavras estrangeiras e onomatopeias. Ambos são silabários e compreendem 48 caracteres.
 
Importado da China há mais de 1.500 anos, o kanji é o alfabeto japonês mais antigo, a partir do qual surgiram os outros por meio de simplificações. O hiragana, também conhecido como "letra das mulheres", foi inventado no final do século IX. "Ele foi surgindo nos diários das mulheres nobres, que, na época, não eram permitidas de estudar e por isso simplificavam a escrita do kanji", explica Roberto Sampaio, coordenador do curso de japonês do Kumon (SP). No mesmo período, os monges budistas desenvolveram o katakana para a leitura de textos religiosos em chinês. "Eles passaram a usar apenas uma parte do kanji, para facilitar a leitura", conta Sampaio. Além da leitura em linhas ordenadas da esquerda para a direita, como no Ocidente, a escrita japonesa pode ainda seguir o modelo chinês, dispondo o texto em colunas lidas da direita para a esquerda.
Quais alfabetos se leem da direita para a esquerda?
Além do japonês, os alfabetos árabe e hebraico também são lidos da direita para a esquerda. Ambos são predominantemente consonantais e não distinguem maiúsculas e minúsculas. Criado a partir do aramaico primitivo por volta do século VI A.C., o alfabeto árabe é composto por 28 letras e apenas três vogais, chamadas longas; as vogais curtas são representadas por sinais diacríticos posicionados sobre as consoantes. "O diacrítico serve para identificar a função sintática que a palavra exerce na frase, se ela é verbo, sujeito ou objeto direto" explica o professor Fernando al Kary, mestrando em Língua Árabe pela USP.
 
Outra curiosidade é a variação da grafia de acordo com a posição da letra na palavra. "Algumas letras podem ser iniciais, mediais, finais ou isoladas. Existe apenas um alfabeto, mas para quase todas as letras, há uma forma diferente de escrita", conta o professor. Também no hebraico, algumas letras são escritas de forma diferente quando estão no final da palavra, e as vogais são sinalizadas por pontos ao redor das consoantes, chamados nekudot. Embora facilitem o aprendizado da língua, eles não são representados no dia a dia, cabendo ao falante acrescentar a vogal à palavra no processo da fala.
 
O esperanto acabou?
 
Embora os idiomas sejam um dos principais demonstrativos de diversidade cultural, não foram poucas as tentativas de criar uma língua universal, que pudesse facilitar a comunicação entre pessoas de qualquer nacionalidade. O esperanto é o exemplo mais bem-sucedido entre as chamadas línguas artificiais, que não surgem espontaneamente. O idioma teve início com o médico polonês Ludwik Zamenhof em 1887, com o propósito de auxiliar a comunicação internacional, e tem influência de línguas latinas, germânicas e eslavas. Sobrevivendo ao tempo, o idioma já era falado por 2 milhões de pessoas no fim dos anos 90 e ainda é adotado por uma grande comunidade internacional - até a Wikipédia tem uma versão na língua.
 
Segundo o linguista Aldo Bizzocchi, muitas línguas de laboratório não deram certo pois simplesmente não eram bons projetos, mas no caso do esperanto, a dificuldade de mais destaque no quadro de idiomas deve-se justamente ao fator que orientou sua criação. "Ele não se expande por razões políticas, não linguísticas", explica Bizzocchi. "É uma língua que continua tendo um crescimento muito lento porque as línguas dominantes, como o inglês, não têm interesse em perder essa posição para outra", afirma

Conteúdo do site TERRA

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